Açoriano Oriental
Requalificar e ampliar o HDES permite poupar 40% do valor de um hospital de raiz

Mónica Seidi. Secretária regional da Saúde e Segurança Social, revela que arquiteto que projetou o Hospital Divino Espírito Santo (HDES)visitou aquela unidade, tendo considerado que a infraestrutura é aproveitável, mas necessita de um novo plano funcional. Requalificar, ampliar e modernizar é a melhor opção e permite poupar tempo e dinheiro. Governo Regional e Ministérios deverão reunir em julho, já com relatório dos prejuízos feito



Autor: Paula Gouveia

De que modo está o incêndio no HDES a afetar a prestação de cuidados de saúde em termos concretos, seja ao nível das cirurgias programadas, das consultas e tratamentos? Como se pretende recuperar deste atraso?
(...) Passou cerca de um mês e meio após o incêndio, e nós não temos uma estrutura física como tivemos até o dia 4 de maio e, por isso, (...) é expectável que haja aqui um agravamento das listas de espera, nomeadamente do ponto de vista da cirurgia programada. (...) No HDES tínhamos seis salas de bloco operatório para cirurgias programadas, e hoje estamos reduzidos a duas salas de bloco operatório, na CUF e na Clínica do Bom Jesus. É claro que a nossa preocupação será, o quanto antes, ter medidas que permitam travar este crescimento exponencial de doentes que entram na lista de espera ou operar atempadamente aqueles que já se encontravam inscritos. (...) Vamos ter de avançar já para três medidas imediatas: será dada a possibilidade de serem operados doentes ao sábado, porque ao sábado os blocos operatórios da CUF e da Clínica do Bom Jesus continuam disponíveis – e portanto vamos ter de fazer esse esforço desde que haja profissionais de saúde com essa vontade; e eventualmente fazer uma melhor gestão dos blocos operatórios ao nível do horário, estendendo até às 20h00, havendo a possibilidade de horários desfasados; e temos de intercalar os tipos de cirurgia, quer seja cirurgia de ambulatório, quer seja cirurgia dita convencional.
O grande problema é também não termos o mesmo número de camas para, após a cirurgia, alocar estes doentes. Recordo que o HDES tinha uma capacidade de camas que se aproximava das 430. Neste momento, como é sabido, pela dispersão como o hospital funciona, não tem essa capacidade instalada, o que acaba por limitar o número de cirurgias que é realizado. (…)

Haverá algum tipo de cooperação com o Serviço Nacional de Saúde, no sentido de recuperação das cirurgias em atraso?
(...) Há a possibilidade estreitar a colaboração com os outros dois hospitais - que tem acontecido mas que poderá ser intensificada - e a par disso, do ponto de vista nacional, já houve um contacto com a senhora ministra da Saúde. Recordo que recentemente foi lançado um plano de emergência no setor da Saúde , em que há um programa próprio para recuperação de listas de espera, nomeadamente de doentes oncológicos. Se precisarmos, há abertura do Governo da República para que os nossos doentes possam usufruir. Felizmente na Região os nossos doentes oncológicos não têm um tempo de espera à semelhança do que acontece a nível nacional. Mas numa situação mais delicada será necessário entrar em contacto para utilizar esta linha de apoio, eventualmente na ausência de camas disponíveis na Região. O presidente do conselho de administração do Hospital de Santa Maria também visitou na semana passada o hospital e deixou desde já o compromisso, além de slots de camas para doentes de cuidados intensivos, há possibilidade de uma parceria para realização de exames complementares de diagnóstico e de cirurgias. (...)

O valor dos prejuízos no HDES foi inicialmente estimado em 24,3 milhões de euros. Que estimativa é feita agora?
Nós estamos ainda a apurar os custos que temos tido em relação a esta situação. É uma situação que diariamente gera custos acrescidos. Não estamos a falar de uma intempérie que ocorreu e que destruiu uma estrutura física, estamos a falar de uma estrutura física que ficou totalmente inoperacional e que fez com que o hospital tivesse de ser deslocado e estar distribuído por seis outras estruturas. É claro que tudo isto tem custos. Desde já os profissionais de saúde que trabalhavam no concelho de Ponta Delgada, agora trabalham no concelho da Ribeira Grande, o que gera um custo. (…) E o centro de saúde da Ribeira Grande tem um histórico de custos, e possivelmente à data de hoje tudo o que é despesa estará acima desse histórico. Estamos a fazer esse levantamento, porque é nosso compromisso dar nota pública dessas mesmas despesas. E depois temos de enviar, de forma apurada, um relatório para o Governo da República que já se disponibilizou para nos dar um auxílio, uma comparticipação que poderá chegar aos 85%.

O HDES tinha projetos de reabilitação prontos a avançar. Serão estes projetos que vão agora ser aproveitados ou haverá aqui uma necessidade de revê-los?
(...) Posso dizer que neste momento não faz sentido a obra que estava inscrita no Plano de Investimentos de 2024 que diz respeito à cirurgia de ambulatório. Se a intenção do Governo Regional é avançar para um hospital modernizado, requalificado e ampliado, provavelmente a zona onde seria feita esta obra de cirurgia de ambulatório será totalmente modificada, até numa perspetiva do bloco central ser também ele ampliado e requalificado. 
Ainda esta semana, esteve em visita a São Miguel o arquiteto Elídio Pelicano que foi o responsável pelo projeto de arquitetura do HDES e que à data de hoje continua a ser uma das principais referências do setor da saúde, e só a título de exemplo, tem entre mãos a construção do novo hospital da Madeira, a requalificação dos hospitais universitários de Coimbra e o próprio hospital Lisboa Oriental que ainda não avançou. É uma pessoa de renome e, após visita à infraestrutura, o próprio afirmou que, apesar do tempo de construção da mesma, o problema não é a infraestrutura, esta é aproveitável, aqui o que importa é sim, redefinir o plano funcional do hospital. E portanto temos um hospital que tem muito para dar, sendo certo que será modernizado, requalificado, ampliado – o pensamento é de três r’s: redimensionar, reorganizar e reparar o HDES, numa perspetiva de futuro. Mas também nos permite, na ótica de economia, poupar 40% do valor do que seria construir um hospital de raiz, aliado a todo o tempo que demoraria uma obra que não se compadece com o tempo de espera dos nossos utentes.

De que modo será feita esta dupla intervenção: a necessidade de intervir já de modo a recuperar e retomar os cuidados e ao mesmo tempo redefinir a funcionalidade do hospital?
É aí que se enquadra a estrutura modular. (...) Permitirá ganhar tempo, porque em 60 dias estará erguida, sobretudo a parte da Urgência; a saída do Serviço de Urgência da CUF; e a concentração de serviços no perímetro do hospital, porque esta é também uma pretensão muito reivindicada pelos profissionais de saúde. E provavelmente irá crescer e ter outras valências viradas para a Urgência, desde já bloco operatório, uma zona de imagiologia, duas zonas de internamento, e possivelmente bloco de partos que não existe na CUF que tem uma maternidade (e não um bloco de partos com toda a especificidade que isso acarreta), uma zona de cuidados intensivos e uma zona de cuidados intermédios. (…) Não estamos a falar de contentores, mas de módulos pré-fabricados, estruturas de qualidade que estão sujeitas a regras muito específicas tal e qual como um hospital, nomeadamente em questões de segurança, de saneamento, de energia, de telecomunicações. (…)
O futuro obriga a repor quanto antes o maior número de camas disponíveis na ilha, porque estamos a funcionar abaixo da capacidade. (...) Contamos até ao final do mês de junho reabrir a ala nascente. Essa reabertura não foi feita até agora, porque é necessário que a mesma seja feita em segurança. Há testes que têm de ser feitos, nomeadamente à qualidade do ar e da água. Na última semana deslocaram-se à Região engenheiros  do Instituto Superior de Qualidade para fazerem essa avaliação do ar e também da água, sendo que depois, como terão de ser feitos exames microbiológicos, os resultados poderão demorar uma ou duas semanas a ficarem concluídos. (...) Queremos desmobilizar o posto médico avançado que, numa fase de emergência teve a sua função e ainda tem, mas é necessário trazer doentes com algumas especificidades para um perímetro com maior segurança, junto da ala nascente, e é necessário junto desta ala ter equipas especializadas para apoio de emergência e ter camas para utentes que tenham uma descompensação clínica e que precisem de um apoio mais intenso.
Em simultâneo, o plano funcional do hospital terá de ser pensado, quer pela própria direção clínica, quer pelo conselho de administração e, com base em vários aspetos, desde já no que tem sido a atividade assistencial do hospital ao longo do último ano, e na perspetiva de crescimento, em que se incorporem novas valências que não existiam à data do incêndio, mas que é intenção do conselho de administração, da direção clínica e do governo regional continuar a diferenciar este hospital, a dar-lhe mais capacidade, a torná-lo ainda mais atrativo para que continuemos a fixar e a renovar o nosso corpo clínico. (...)

Não haverá obras no hospital enquanto não for redefinido este plano funcional?
Há situações identificadas que terão de ser corrigidas. (…) Há a possibilidade de identificar situações que tenham de ser corrigidas ao nível do bloco operatório, como o sistema de renovação do ar, para que este volte à sua funcionalidade. Não quer dizer que de forma parcelar, de forma faseada, não se reative o bloco operatório para se dar resposta e eventualmente recuperar listas de espera. É uma situação que está em cima da mesa e que está a ser avaliada e estudada pela direção clínica, e que poderá ser uma das soluções. (...)

Em que moldes será concretizada a comparticipação financeira do Estado a estes investimentos? Há algum avanço neste sentido?
Houve já um compromisso, houve já uma solicitação da parte do Governo da República de identificação das áreas do Governo Regional envolvidas diretamente nesta matéria – Saúde, Finanças e Infraestruturas. E, no início de julho, após um relatório onde já constará todo o levantamento que está a ser aprimorado, deveremos reunir.  Foi sugestão do Governo da República de que fosse criado um grupo de trabalho que envolvesse estas três áreas setoriais ao nível da Região e, a nível nacional, os Ministérios das Finanças e da Saúde. (…) O que está em causa é uma comparticipação de 85% da despesa que será apresentada. (…) E a ministra foi bastante clara nas suas palavras e referiu que o Governo da República teria abertura para nos ajudar na edificação de um hospital novo.


“É nossa intenção reativar serviços de internamento nos centros de saúde"

Com o incêndio no hospital, tornou-se evidente o “hospital-centrismo” (chamemos-lhe assim) dos cuidados de saúde. Esta catástrofe mostrou que é necessária uma reorganização do Serviço Regional de Saúde? 
(…) Assistiu-se durante alguns anos a uma política hospitalocêntrica, ou seja veio tudo parar ao hospital. Veio tudo pressionar o hospital. E em São Miguel, isto é por demais evidente. Basta ver que os centros de saúde tinham valências de internamento que foram sendo encerradas ao longo dos anos, e a questão da pandemia fez com que alguns destes serviços não voltassem a ser reabertos.
Nós temos na ilha de São Miguel, centros de saúde com capacidade para terem serviços de internamento. Inicialmente a questão que se colocava era a de que os centros de saúde não têm de ter recursos humanos diferenciados para seguir doentes de internamento. Os médicos de medicina geral e familiar ou médicos de clínica geral não têm, na sua formação, essa valência, a não ser que optem por fazer um estágio embora que limitado em internamento por exemplo de medicina interna. Não podemos obrigar estes clínicos a fazer internamento se não tiverem essa intenção.
Contudo, atendendo ao que tem sido a evolução no setor é nossa intenção reativar esses serviços de internamento e recorrer, por exemplo, à telemedicina para que, diariamente ou regularmente, possa haver um apoio dos médicos hospitalares a estes centros de saúde mais distantes, ou até mesmo, uma deslocação física para que em alguns casos deem esse apoio. É importante acabar com esse centralismo.
O caso das Urgências é por demais evidente, e o caso do HDES à data de 4 de maio infelizmente estava mais do que saturado. E, portanto, esta é também uma janela de oportunidade para repensarmos o funcionamento daquele Serviço de Urgência. (...) Não funciona da forma como gostaríamos desde já pela sua planta arquitetónica. Nos hospitais mais modernos, os SU são uma valência de open space, em que o clínico consegue ter uma visão sobre um vasto número de doentes, e isso também confere mais segurança. Há uma planta arquitetónica que tem de ser alterada e adequada à realidade.

Voltando aos centros de saúde é nossa intenção apostar no novo Centro de Saúde da Ribeira Grande. Felizmente com todas as dificuldades que o velhinho centro de saúde da Ribeira Grande apresenta...
O atual Centro de Saúde da Ribeira Grande está a dar um apoio importante, apesar de ter lacunas significativas...
E ainda bem que temos o centro de saúde da Ribeira Grande porque tem 28 camas de internamento e estamos a fazer obras noutra parte que estava desativada para que se possa aumentar também este número de camas. (...)
O projeto que está pensado para o novo centro de saúde também já tem em conta algumas destas preocupações. Temos uma área muito significativa de utentes naquele concelho, e é natural que o centro de saúde da Ribeira Grande, cujo principal propósito está cingido aos cuidados de saúde primários, tenha a possibilidade de ter um serviço de urgência, com uma dimensão considerável, ter uma sala de pequena cirurgia (que possa até aliviar alguma da cirurgia de ambulatório que é feita no HDES) e que, além de uma ala de internamento que esteve mais vocacionada para a rede de cuidados continuados, possa ter camas de internamento, para situações que não careçam de uma vigilância tão apertada, sendo certo que terá de haver uma sinergia entre os profissionais de saúde do centro de saúde e do hospital.

Qual o ponto de situação do processo do novo Centro de Saúde da Ribeira Grande? Qual será a sua localização?
O terreno já está escolhido. Inclusive no plano de investimentos de 2024 já há uma verba quer para a aquisição do terreno, quer para a elaboração do projeto de execução. E, contamos realizar entre o final de mês de junho e início de julho o contrato de promessa compra e venda do referido terreno.

Em relação ao projeto financiado pelo PRR - o Hospital Digital, o que já foi feito e o que falta fazer? Quando teremos uma verdadeira interoperabilidade dos sistemas de informação em saúde?
Após ter sido adjudicado o projeto MUSA – Modelo Único de Saúde dos Açores, com um custo total de 3,5 milhões de euros, o vencedor do concurso já está a trabalhar a vários níveis, e é nossa intenção que no último trimestre deste ano possa ser lançada uma primeira versão quer do portal do utente, quer do portal do profissional de saúde. Estamos a trabalhar para que isso aconteça. As equipas estão a definir o logótipo para  ter um marketing forte, e que incentive os próprios utentes do Serviço Regional de Saúde a procurarem a aplicação. É um projeto arrojado, complexo, desde já pela questão da interoperabilidade. Mas é esta a grande meta do hospital digital. Contamos que no último trimestre deste ano possa haver um primeiro draft para que se possam começar a fazer os acessos e pôr não só informação direcionada para o utente, mas de forma faseada pôr a comunicar os diferentes sistemas do SRS. (...)







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