Açoriano Oriental
“O trabalho do Santuário deve ser pensado a longo prazo, porque há muito a fazer”

Cónego Manuel Carlos Alves. Reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres diz que este deve ser espaço de espiritualidade. Admite que são necessárias grandes intervenções e que é prioritário um plano de segurança e proteção civil, definir as respostas que deve dar à comunidade e o compromisso da Diocese e das entidades públicas



Autor: Paula Gouveia

São as suas primeiras Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Como viveu a preparação destes dias?
Com alguma preocupação, porque importa saber todos os pormenores e, por vezes as informações vão chegando a conta gotas, e é necessário tomar decisões, procurando pacificar tudo, e tornar acessível a imagem do Senhor Santo Cristo a cada uma das pessoas que a querem ver. É de facto um momento especial quando as pessoas estão diante da imagem, e nós devemos proporcionar-lhes isso.

Está há pouco menos de um ano no Santuário. Como recebeu esta nomeação? E depois de todos estes anos na ilha Terceira, como foi esta mudança?
Recebi esta nomeação com surpresa, porque não estava nos meus horizontes que o cónego Adriano Borges fosse substituído tão cedo e, ao mesmo tempo, com o sentido de responsabilidade e de dever, de dever perante a Igreja e perante o Bispo, e também de gratidão, porque é sempre uma manifestação de confiança e de esperança, certamente. E, por isso, com este sentido de responsabilidade e de dever a cumprir.

O que é que o surpreende nesta fé  incomensurável dos açorianos ao Senhor Santo Cristo dos Milagres?
Não há grandes surpresas. E porquê? Porque todos nós nos encontrámos, em alguns momentos na vida, perante as nossas limitações. Há desafios que nós encontramos que vão para além das nossas forças, das nossas posses, fazer frente a eles. E quando nos encontramos nessa situação, colocamo-nos nas mãos de Deus. E o Senhor Santo Cristo dos Milagres, o culto à imagem, e tudo aquilo que daí decorre, tem sido partilhado por todas as gerações, desde criança. E é natural que aconteça essa grande manifestação de fé com a maior das naturalidades. Vão acontecer, necessariamente, momentos em que nos sentimos pequenos e com necessidade de nos acolhermos debaixo do olhar divino. E o Senhor Santo Cristo permite isso.

Nestas festas, disse que todos são convidados a participar. Sentiu que havia necessidade de fazer alguns ajustes no formato das festas para que todos sentissem que são bem-vindos?
“Todos, todos, todos, caminhando na esperança” é o lema pastoral deste ano da nossa Diocese. E, portanto, esta palavra que o Papa tão bem introduziu na Jornada Mundial da Juventude tem de fazer parte das nossas preocupações. E, portanto, é com a maior das naturalidades que isso devia acontecer. Havia algumas situações de insatisfação e por isso era mesmo necessário que a palavra voltasse ao de cima e a ser quase um slogan a utilizar, porque a festa tem de ser para todos, e todos devem poder prestar a sua homenagem ao Senhor Santo Cristo.

Nesse sentido, que pequenas alterações foi necessário fazer?
Não foi necessário fazer grandes alterações. Perante os problemas que havia, havia que tomar decisões, e encontrei algumas situações e dei a conhecer a minha sensibilidade à Irmandade do Senhor Santo Cristo do que era necessário corrigir, e eles próprios entendiam rigorosamente o mesmo. (...)

A procissão  de domingo sempre foi um misto de religioso e de representação da sociedade, das suas instituições, e do poder local e regional. Que importância tem esta última vertente que às vezes é tão criticada?
Toda a procissão, desde o guião que vai à frente até ao último dos membros que participar, será sempre homenagem ao Senhor Santo Cristo dos Milagres. Penso que é importante haver alguma ordem, e essa ordem permite depois estas leituras mais laicas - laicas no sentido de exterior. Mas o que é importante percebermos é que quem lá está está a prestar homenagem ao Senhor Santo Cristo dos Milagres. Não está a exibir-se. Está a prestar homenagem.

Este ano há uma novidade: a missa em inglês. É uma forma do Santuário fazer chegar a mais gente o culto ao Senhor Santo Cristo?
Espero que sim. Eu procurei ouvir os meus colegas, porque é do mais elementar bom senso ouvir quem há muito tempo vive estas realidades, e pensou sobre elas, sugestões sobre como resolver dificuldades. Essa foi uma sugestão  da Ouvidoria das Capelas. E de facto faz sentido: temos muitas pessoas que não dominam o Português e podem ter dificuldade em entender toda aquela envolvência e, querendo participar numa eucaristia, podendo nós realizar a eucaristia na sua língua materna, ou pelo menos numa língua que dominam, assim poderão. A mesa fica posta e vem quem lhe apetecer.

Como surgiu o convite a D. Myron Cotta? E qual a razão da sua escolha?
Não sei, porque já estava o convite feito. Mas penso que não será difícil intuir que o facto de ser de ascendência portuguesa e açoriana terá pesado. E está junto das nossas comunidades na Califórnia, certamente a fazer um bom serviço.

Este ano, o lema dos Santuários é “Senhor, ensina-nos a orar”. O que pode a oração ensinar, mesmo a quem não tem esse hábito?
A primeira vantagem é que a oração decorre da concentração: é necessário estarmos concentrados sobre o que vamos dizer e a quem. E esta concentração é muito benéfica. Depois naqueles contextos em que temos o coração cheio de ansiedade, de necessidades, de preocupações, de alegrias ou de esperanças é altura de abrirmos o nosso coração a Deus. Ele não só nos acolhe, como também vem até nós, trazendo-nos o que tem para dar: a Sua Graça, a Sua Bondade, a Sua Misericórdia. Ele renova-nos. Encontrei por acaso um livro numa livraria onde se dizia “A oração do silêncio”. Eu fiquei a olhar para o livro e a pensar que nunca tinha ouvido falar nisso. E depois acabei por refletir e perceber que a Igreja foi ela própria descurando o ensino da oração. E é de facto relevante, porque se ficamos com apenas uma modalidade ou duas de oração, acabamos por não permitir a expressão das pessoas desta intimidade com o Senhor. A oração é desabafar com Deus. (...)
Por isso a temática deste ano da festa será esta, e a temática do tríduo será esta, e espero que terminada esta etapa, estejamos mais enriquecidos.

Que papel deve ter o Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres?
O trabalho do Santuário deve ser pensado a longo prazo, porque há muito a fazer. Eu tenho uma postura muito clara quanto a isso: quando a gente sabe que está de saída, o melhor é não mexer. Não vamos tomar iniciativas que os outros depois é que vão assumir a responsabilidade. Acho que é um dever de contenção.
O Santuário deve ser um lugar de espiritualidade. Espiritualidade da família. Homens, mulheres, pais e filhos, jovens e idosos, em qualquer circunstância da vida devem procurar alimentar a sua espiritualidade, a sua relação com Deus e a inspiração para as suas necessidades de vida. O Santuário deve ser esse espaço. Necessita de condições físicas e não só, também humanas, para isso.
(...) Depois foi um dos alertas que o Bispo me deixou: reservar um espaço para a juventude, a juventude universitária. É necessário que tenham os seus espaços de convívio, de reflexão, até mesmo de oração, se for o caso, mas se não for o caso não é por aí que vem mal ao mundo. É importante eles terem o seu espaço, e nós Igreja, prestarmos esse serviço à juventude, porque tudo o que fizermos em benefício dos jovens, estamos a fazer investimentos no futuro, a bem da humanidade.

Das suas palavras pode ficar a dúvida: está de passagem pelo Santuário?
Com certeza que estou de passagem. A idade não perdoa. Chega-se a uma altura em que temos de ceder o lugar. Mas penso que os projetos para o Santuário devem ser um misto de corresponsabilidades em que a Diocese também intervém. Dou-lhe um exemplo de uma das áreas em que o Santuário deve dar resposta: os padres em final de carreira, porque já não têm as famílias que os acompanhavam - o Santuário pode prestar este apoio, e também beneficiar deles, porque eles podem estar nos momentos de acolhimento e prestar serviço de confissões, por exemplo. (...) Só que se esse for um projeto meu apenas, vem outro atrás e desfaz. Ora, a vida das pessoas não se pode pôr e dispor desta forma. Tem de haver um compromisso maior e um compromisso da Diocese. (...) Os projetos não podem ficar ao sabor da inspiração de cada um, da vontade de cada um. (...) E serem projetos que não caducam com a mudança dos diversos autores, no caso do Santuário.

O anterior reitor estava a dar seguimento a uma série de projetos e investimentos. O último era a criação de um serviço de apoio a doentes deslocados. Já está a funcionar?
Não, ainda não está. Está na fase final. Todo o Santuário necessita de grandes intervenções. (...)  É necessária a junção destes projetos com o Plano de Segurança e outros também muito importantes em termos de proteção das pessoas - contra incêndios e em termos de proteção civil. Vivemos numa região sísmica e pode ser necessário as pessoas saírem do edifício rapidamente e em segurança, e não temos nada disto. Há aqui muito a fazer e isso significa que vai demorar o seu tempo até chegar ao fim.

Vai manter os restantes projetos de criação de uma ala para estudantes e de uma livraria?
Os projetos estão todos em cima da mesa. Pode haver necessidade de reformulação, porque a própria realidade social vai mudando, e estes projetos já têm dez anos, se não estou em erro. (...) A livraria está dentro do espaço que está agora em renovação, e dentro de um mês e tal, estou convencido que estará tudo pronto, e até ao final do ano estou será possível fazer a transferência da livraria para o novo espaço.

Todo o investimento que é necessário exige um compromisso das entidades públicas, além da Diocese?
Terá de haver, porque o Santuário por si não terá capacidade para fazer estes investimentos. Terá, devagarinho, e em vez de em cinco a dez anos, se calhar 20 a 30. Tudo depende das possibilidades e dos meios que estiveram ao nosso dispor. (...)

Em relação ao processo de beatificação de Madre Teresa da Anunciada. É postulador do processo de beatificação de Maria Vieira da Silva. Pela sua experiência, o que leva a que haja um impasse tão grande no processo de Madre Teresa?
É uma pergunta para a qual não tenho resposta. O que posso responder é o seguinte: tenho-me deparado com vários documentos para o processo de beatificação da Madre Teresa da Anunciada e eles deviam estar todos coligidos, juntos, organizados, para o processo estar devidamente capaz. A impressão que tenho - mas é uma intuição - é que a pressão que volta e meia se faz sobretudo por altura da festa do Senhor Santo Cristo com o processo de beatificação não ajuda, até pelo contrário. Porque tomam-se iniciativas mais ou menos esporádicas que depois acabam por não ter sequência ou até eventualmente podem não fazer grande lógica dentro do processo. O processo de beatificação é um processo muito sério que tem de ser ponderado de uma ponta à outra e não apenas na parte histórica, (...) porque serão estes documentos depois a serem analisados e se houver uma situação em que o culto  é instigado pela autoridade religiosa o processo é rejeitado e nem chega a entrar. (...) Do que necessitamos é sobretudo de serenidade para juntar todas estas peças que foram produzidas ao longo do tempo e procurarmos depois organizar de forma capaz o processo de maneira que ele entre, seja analisado e venha a resposta que nós todos desejamos que é ser reconhecida como beata e poder ir até aos altares.

Não estamos na fase de nomeação de um postulador?
Deixe-me primeiro perceber tudo o que está feito e depois vamos organizar tudo o resto.

Há também a questão da nova estátua da Madre Teresa. Que fim terá?
A estátua anterior está muito bem no sítio onde está, no jardim à entrada do Convento, e muito bem enquadrada. Está bem melhor do que o que estava antes. Em relação à nova, ainda não tomei nenhuma decisão. (...) O que me apercebi é que a maioria das opiniões vão no sentido de que seja colocada no átrio da roda.  A seu tempo iremos tomar a decisão. E é provável que seja por ali porque é esse o sentir maior. (...)

A seguir a estas festividades quais serão as suas prioridades?
A implementação dos planos de segurança, contra incêndios e proteção civil. E depois será necessário fazer essa reflexão sobre o futuro do Santuário, e que vocações terá para resposta às necessidades da população e dos cristãos. E a partir daí pensar no que fazer em termos de infraestruturas.

















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